Ah, esse teu olhar!

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Marli Bueno
Psicanalista e Psicopedagoga Clínica

Que olhar é esse que me envolve?

Parece atravessar-me… Como se percorresse todo o meu ser…

O que vês? Quem é esse a quem diriges o teu olhar? Serei eu?

Mas se for eu… não me reconheço em teu olhar!

Espera… na verdade estou ali, mas este sou eu?

Serei eu o que tu vês? Ou serei eu o que vejo que tu vês em teu olhar?

Ah, esse teu olhar!

Maravilhosa experiência pulsional!

O olhar do Outro nos faz sujeito, confirma simbolicamente a existência. Somos capturados por esse olhar antes mesmo da maturação do nosso sistema visual que nos permite compor uma imagem. O bebê vivencia o jogo da presença/ausência materna, sente falta do olhar da mãe sobre ele. A dor pela privação da presença do Outro ocasiona o que Assoun (1999) denominou de trauma escópico de origem, motivo pelo qual temos frequentemente a impressão de estarmos sendo olhados por alguém que não vemos.

Necessitamos de esse olhar, pois ele imprime significação ao que é dito. O bebê dirige seu olhar aos adultos para descobrir o que eles estão falando. Ao ver sua imagem refletida no espelho a criança busca o olhar do adulto para confirmar que a imagem projetada no espelho é ela. E é pelo olhar do Outro que ela se reconhece.

O olho fechado conserva a imagem. O abrir/fechar dos olhos é o representante da clivagem dentro/fora, aceito/recuso.

O olhar é contato, interiorização e distanciamento. Provoca e suscita sensações, desejo, medo e sonhos.

O olho capta a realidade. O olhar também é o primeiro objeto de desejo, é ele que integra as impressões obtidas na relação com o Outro. Olhamos e somos olhados. Desejamos e somos desejados.

Ser desejado reforça o narcisismo primário que nos estrutura, mas também nos aprisiona. E aprisionado pelo olhar do Outro me perco de mim. Nunca saberemos o lugar que ocupamos no desejo do Outro.

Ao olhar o mundo não escolhemos, somos invadidos por imagens que também nos olham. Imagens rápidas. Não há deleite, desfrute. Vemos pessoas, mas não as olhamos, não desfrutamos delas.

Como a criança que busca no olhar do Outro a confirmação de si mesmo e ingenuamente acredita no que alucina sobre esse olhar, temos atualmente nas redes sociais um espelho. Mas agora escolhemos imagens para nos representar.

Queremos reconhecer no olhar do Outro o mesmo júbilo que brilhava no olhar da mãe ao fitar seu bebê. Mas o Outro vê, curte, compartilha mas não olha, não atravessa a imagem. Não a envolve com amorosidade.

O que se consegue é apenas a constatação da falta: não somos, não viajamos, não temos. E o Eu, combalido, ressentido por este vazio esquece que já não é mais criança e que é hora de ele mesmo se olhar.

Deitar no divã. Permitir-se ser olhado pelo analista sem tê-lo em seu foco de visão é um ato de coragem que possibilita ao sujeito essa maravilhosa experiência pulsional que é olhar para si mesmo, deleitar-se com suas conquistas, desfrutar da sua própria companhia, sabendo que o Outro está lá, mas ele é apenas um outro.

Referências Bibliográficas

ASSOUN, Paul-Laurente. O olhar e a voz: lições psicanalíticas sobre o olhar e a voz. Tradução de Celso Pereira de Almeida. Rio de Janeiro: Companhia de Freud. 1999

#Outro #OlharDoOutro #SujeitoPsicanalítico

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